Vou partilhar com vocês um pequeno episódio que retrata uma das mais acutilantes evidências, que bem poderia ser adoptada como prólogo desta Lusitânia Nação, “o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita” (Já estou a imaginar a frase nas fronteiras do pais e nos aeroportos, logo a seguir ao “bem-vindos”…):
Entrei na secção de frutas de um supermercado quando me deparei com o seguinte espectáculo. Um miúdo, de cerca 4 anos, divertia-se tranquilamente a atirar maçãs de uma caixa para outra, enquanto uma senhora (sua avó), impávida e serena, ao seu lado, apalpava bananas e engelhava a testa. Quando as devidas ressalvas antropológicas e habituais “disclaimers” politicamente correctos, devo dizer que neto e avó aparentavam pertencer a uma respeitosa classe média alta (provavelmente, habitante das twin towers) e não aos ditos “grupos étnicos minoritários e desfavorecidos”.
Um pouco mais afastado, estava um empregado do supermercado (pertencente ao grupo étnico brasileiro, logo, mentalmente criminosa… na mente de mais pessoas do que se julga) que, com algum cuidado, se encontrava a seleccionar a fruta que estava exposta no referido estabelecimento comercial (sobre o conceito de estabelecimento comercial, vd. assanhada disputa entre Coutinho de Abreu e Orlando de Carvalho). O empregado apercebendo-se da situação hesitou na intervenção, olhando de soslaio diversas vezes para a “sra. de respeitável porte social”, eventualmente na esperança de alguma pedagogia “para-maternal” da dita cuja. Mas nada.
Então, o empregado, sentindo provavelmente a insustentável leveza de ser, dirigiu-se ao miúdo e numa voz tranquila e pausada disse “Menino, você não pode atirar a fruta porque estraga”. O puto (a mudança de tom não é ingénua) olhou de soslaio o empregado, encolheu os ombros e, com redobrada energia, continuou a praticar o lançamento das maçãs (era final da tarde, por isso, há que ter esperança no seu futuro olímpico).
O empregado ainda insistiu com o miúdo, mas, talvez pelas diferenças de sotaque, o miúdo tomava aquilo como uma espécie de incentivo.
Finalmente, o empregado dirigiu-se à sra. avó, que durante este processo, continuava a afincar as suas unhas coloridas nas bananas, e disse-lhe: “Sra., diga ao menino para não atirar a fruta porque estraga”.
Se ela não tivesse respondido, até poderia ser que esta história não fosse mais do que um mal-entendido, a Sra. seria surda e não se teria apercebido da situação. Mas…
Para meu espanto, eis a resposta: “Não estraga nada, deixe o miúdo em paz. Pelo contrário, até amadurece a fruta”. E continua: “E olhe, quantas vezes não levo fruta e ela fica estragada em casa??! Ah!”. Entretanto, toca o telemóvel, ela atende e ouve-se “Olá filha, já regressaste da “manicure”? Então, nós já vamos para casa”. Desliga e em acto continuado, conclui: “Iuri, vamos embora que a mamã já está em casa”. (Bem gostaria de dizer que, afinal, atendendo ao nome do “prodigioso neto”, estávamos perante outro grupo étnico, mas garanto que o sotaque era do mais requintado gosto alfacinha que tenho ouvido).
Haveria muito a comentar. Sem querer ser mau agoiro só espero que um dia, a nossa querida avó não tenha que ouvir: “Oh velha, deixe lá o Iuri chutar heroína porque isso até estimula a capacidade criativa”. Isto claro, enquanto o jovem “Iuri”, motivado pela necessidade de obter financiamento para a expansão da sua capacidade criativa, atinge a anciã com uns belos “directos” nas “trombas”, graças aos anos de prática de lançamento de maçãs.
Sic transit mundi