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Das metáforas diz-se que são figuras de estilo, por oposição à linguagem denotativa, como se essa distinção fosse possível. Mas na verdade, toda a linguagem é uma metáfora daquilo que queremos “verdadeiramente dizer”. Por isso, dizer que estou apaixonado por Lisboa é uma metáfora, mas também é aquilo que verdadeiramente quero dizer, sem figuras de estilo. E diria que dizer isso é até limitativo do que quero dizer, se não fosse isso uma metáfora e, sendo assim, pode querer dizer muito mais, incluindo aquilo que verdadeiramente quero dizer. E é nos limites da epifania que se sente que se está apaixonado pelas coisas menos óbvias, como aconteceu este sábado, em que, atravessando a ponte 25 de Abril sem a sua famosa luz ou calor, de corpo cansado e rabugento, rumo à Costa da Caparica, ao ouvir os versos “up here in my tree, yeah/ newspapers matter not to me, yeah/ no more crowbars to my head, yeah/ i'm trading stories with the leaves instead, yeah”, senti que estou em casa. É a minha sina estar apaixonado por coisas improváveis. E é bom estar em casa. Especialmente quando se sabe que a nossa casa pode ser qualquer lugar.
i remember when, yeah
i swore i knew everything, oh yeah
let's say knowledge is a tree, yeah
it's growing up just like me, yeah
http://www.youtube.com/watch?v=holKdFsu7Vo
Não, este não é o número de um qualquer eléctrico de San Francisco (nem de Lisboa,,, sim, porque Lisboa também têm eléctricos mágicos). Mas é o título do tão aguardado e anunciado postal sobre a minha aventura “on the road” pela Califórnia (com um pequeno desvio pelo Nevada e pelo Arizona).
Na verdade, Catch 22 é também o título do livro que enformou o universo literário das milhas percorridas entre oceanos, cidades, vales, montanhas e desertos. Diria mesmo que, na distância reflexiva das experiências vividas, sem auxílio de fotografias (vd. Lost Highway), Catch 22 acaba por ser uma acutilante metáfora figurativa da viagem.
“There was only one catch and that was Catch-22, which specified that a concern for one's safety in the face of dangers that were real and immediate was the process of a rational mind. Orr was crazy and could be grounded. All he had to do was ask; and as soon as he did, he would no longer be crazy and would have to fly more missions. Orr would be crazy to fly more missions and sane if he didn't, but if he was sane he had to fly them. If he flew them he was crazy and didn't have to; but if he didn't want to he was sane and had to. Yossarian was moved very deeply by the absolute simplicity of this clause of Catch-22 and let out a respectful whistle.
"That's some catch, that Catch-22," [Yossarian] observed.
"It's the best there is," Doc Daneeka agreed.” – Catch 22, Joseph Heller
A variedade de cores e de relevos da viagem pela Califórnia acabou por corresponder à expectativa que tinha formulado no meu imaginário, sendo certo que as expectativas não são verdadeiras expectativas, mas imagens e cenários que os filmes, as séries televisivas, as notícias, as fotografias que vão dando à costa deste lado do Atlântico. A Califórnia, ou pelo menos a minha Califórnia, é assim. Mas claro que as expectativas e imagens adquirem vida quando fazemos parte do cenário, quando nos situamos simultaneamente dos dois lados da objectiva da máquina fotográfica, que, como já referi, é completamente irrelevante, quando o que se procura, ultrapassa o instante do flash.
A América também é a minha casa. Esta frase é de difícil explicação, dado que se exprime numa sensação de pertença a algo que não tem representação física. O mais aproximado dessa representação será a imagem, em movimento, ao volante do “meu” Pontiac vermelho, na companhia da minha banda sonora, em que a direcção tomada é apenas um pretexto. Confusos? Felizmente sei que há pessoas que sabem exactamente o que estou a dizer.
A Califórnia pode ser descoberta de diversas formas. Mas é um destino em que facilmente deixámos de ser turistas para ser apenas uma pessoa na multidão ou na solidão de uma vasta paisagem abandonada. Nem eu pensava que tal fosse verdadeiramente acontecer, mas a verdade é que a Califórnia acabou por ser o cenário de mais alguns degraus de reflexão sobre o que significa estar vivo. Ou no fundo, o que é a condição humana. E não é coincidência que tenha acabado de resgatar “A condição humana” de André Malraux, para uma releitura sobre uma nova luz, que liricamente posso chamar a luz da Califórnia (sim, é um trocadilho bastante arrojado, mesmo só para especialistas do sector eléctrico...).
Devem estar confusos e, nesse caso, fico contente. Viajar é para viver não para recordar. A essa luz, a expressão a “vida é uma viagem”, ganha todo um novo sentido.
Viajar sozinho intensifica a absorção da relatividade do tempo e do espaço. A igreja católica considera o relativismo um dos maiores perigos do nosso tempo. De facto, o relativismo é perigoso. Por alguma razão, é uma lei do universo, que no nosso dia-a-dia de banalidades tendemos a ignorar, mais ou menos conscientes do acto de ignorar. E também aqui há uma “catch”: viajar mostra como é relativo o espaço em que estamos, que podemos “ser” em qualquer lugar, embora “ser” no lugar em que estamos, exclui qualquer outro lugar.
Adoro Lisboa, sinto que pertenço aqui, mesmo não pertencendo aqui, mesmo podendo estar em qualquer outro lugar. Mas, a “catch” é que também poderia pertencer a San Francisco, à sua 49 mile scenic drive, à golden gate bridge e à pacific avenue. E a razão está longe de ser a familariedade da ponte, dos cacilheiros, das gaivotas, dos eléctricos ou das colinas. De facto, o relativismo é perigoso, tal como viver.
E mesmo sem querer, também pertenci:
· A Los Angeles e ao seu vazio em torno das estrelas e a falta de espaço para viver.
· A Santa Monica e ao seu famoso pontão.
· A Santa Barbara e à pureza de uns parabéns cantados em português russo.
· A Sonoma e aos seus vinhos e às suas saborosas histórias do lado de lá do balcão.
· A Yosemite e ao seu silêncio meditativo.
· A Las Vegas e ao “circus circus” dos vícios humanos.
· A San Diego e à tranquilidade das suas praias (perturbada por inquietas raias!).
· E, de novo, a Los Angeles, a que pertenci antes de partir, passando pela passadeira vermelha dos sonhos.
Terminar um postal, tal como terminar uma viagem, resulta de um golpe num nevoeiro de hesitações de coisas que ficaram por fazer, por dizer e de coisas a que iremos sempre pertencer, mesmo sem pertencer. Assim, nada melhor do que um epílogo em forma de “toast” musical, do melhor “pinot noir”, homenageando as epifanias do caminho percorrido e as do que ainda falta percorrer:
“And you can't always get what you want,
Honey, you can't always get what you want.
You can't always get what you want
But if you try sometime, yeah,
You just might find you get what you need!”
http://www.youtube.com/watch?v=4FqGz0z4dI0&mode=related&search=
PS – E falar em brindes é também falar dos amigos com quem gostaria de ter partilhado esta viagem, mas a quem não deixarei de pertencer. Cheers!
Depois de ter descoberto que, desafiando as coincidências, mais alguém foi arrebatado por diversas epifanias enquanto conduzia um vermelho Pontiac grand prix pela highway 1 e outras estradas apaixonantes da Califórnia ao som de ecléticas músicas rock, dou conta da minha epifania matutina ao volante do meu querido vw golf, preto na cor e na alma, from “litle hedge” to“twin towers”, ao som de uma música que pode ser encontrada num dos melhores álbuns de sempre (e também em diversos sites de download no hedge legal..). Acreditem ou não, e desafiando o lugar comum, hoje posso dizer que comecei o dia com uma epifania sorridente. Smiles can be found in strange ways...
http://www.youtube.com/watch?v=3lzqdamO510