Estou de férias e o meu roteiro levou-me até à estação de “Davos-Platz”. Num sentido literário, advirto, até porque acho que um sanatório, por mais literário que seja, não preenche o meu imaginário de “hospedagem de férias”.
Tudo este uso da língua portuguesa, e não latim, como por momentos hesitei escrever, para dizer que iniciei a minha leitura dessa obra “mítica”, “A montanha mágica”, de Thomas Mann.
Aqueles leitores com algumas pretensões literárias, como eu, já devem ter ouvido falar deste livro e, aliás, devem já muito ter desejado colocarem as vossas mãos num. Eu compreendo, eu também já desejei dessa forma, e fiz diversas tentativas, mas sem sorte. A edição “Livros do Brasil” há muito que está esgotada e, nos alfarrabistas, é raro aparecer um exemplar, ou quando aparece, existe um misterioso vulto que o arrebata e por um preço excessivo (cerca de 30€).
Mas já aqui dei conta da minha propensão para o “tratamento VIP” e, sem grande espanto meu, esse tratamento está na base da minha aquisição do desejado exemplar.
Andava eu pela Feira do Livro, na companhia da minha boa “Feiticeira”, quando me deparei com a barraquinha “humilde” dos “Livros do Brasil”. Sendo um dos meus escritores preferidos, não hesitei em comprar os dois volumes de “A leste do paraíso” dp John Steinbeck. Após ter realizado a respectiva aquisição comercial translativa, por mero descargo de consciência, perguntei se tinha algum exemplar do referido livro de Thomas Mann. A senhora sorriu com um ar benevolente e disse que não, que já várias pessoas tinham perguntado por esse livro, o qual, realmente, deveria ser muito especial. Palavra puxa palavra sobre “o livro” e ela acabou por me recomendar que fosse ter com um “seu colega” que estava noutra barraca, e “que ele talvez pudesse ajudar”. Fantasiei um certo mistério e segredo nesta informação e, claro, dirigi-me para a referida barraca.
Estava rodeada por algumas pessoas (era domingo e, incrivelmente, “algumas pessoas” decidiram deslocar a tradicional romaria domingueira do “Colombo” e do “Vasco da Gama”, para o espaço do Parque Eduardo VII).
Quando consegui captar a atenção do referido senhor, lancei a pergunta. A resposta negativa foi quase automática, com um certo tom de ironia. Novamente, não era o primeiro a perguntar pelo livro. No entanto, desabafei que estava com esperanças de conseguir o livro, pois a senhora da outra barraca me tinha dito que ele seria eventualmente “capaz de me ajudar”. Notei que após ter dito, ele parou física e mentalmente e ficou a olhar fisicamente. De seguida, pareceu ter tomado uma decisão interior grave e, quando já me preparava para abandonar a barraca, chamou-me para a parte do expositor onde não estava ninguém e perguntou-me em tom de desafio: “Quer mesmo comprar o livro?” Alinhando num tom conspiratório que aparentemente a conversa tinha adquirido, respondi afirmativamente. Então ele prosseguiu e disse: “Olhe, tenho aqui um exemplar que encontramos no armazém. Nem sabíamos que existia, mas com a preparação da Feira do Livro demos com ele. Estava prometido a uma rapariga que já era suposto ter vindo buscá-lo. Mas se quiser mesmo o livro, vendo-o a si”. Encantado com o “glamour” da cena, que nem um agente secreto ou colaborador da máfia, sem hesitação disse: “ Mas é claro que quero “mesmo” o livro”! Juro que o vendedor lançou um olhar comprometido à sua volta antes de se baixar e remexer numa caixa de onde retirou um exemplar novinho em folha de “Montanha mágica”! Mostrou-o e rapidamente meteu-o num saco que me entregou. Uma alegria imensa apoderou-se de mim, não poderia ter escolhido melhor cenário nem argumento pseudo-cinematográfico para adquirir o livro. Paguei os 15€ que me pediu e sai dali como quem se afasta do local de uma troca comercial de duvidosa legalidade criminal.
Apenas retirei o livro do saco quando cheguei a casa. A minha primeira tentação foi começar a lê-lo de imediato, mas logo decidi que este livro merecia toda a minha atenção e dedicação e que tal só poderia conceder-lhe nas minhas férias. Aqui estou eu, radiante com as primeiras 100 páginas da “Montanha mágica” e posso acrescentar, vale bem todo o português gasto neste postal.
Os bem-aventurados que forem à missa do dia 12 de Setembro em Portalegre, terão oportunidade de ver os encantos mágicos e incendiários desta menina!
The Big Church of Fire goes On The Road.
September 12.
CAE Portalegre.
All Sinners are Welcome...
http://www.myspace.com/thebigchurchoffire
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